quarta-feira, 23 de novembro de 2011

OS NOVOS PSICODÉLICOS

A volta dos psicodélicos faz sentido?

O cabeção vai invadir o mundo/e tomar posse de todas as coisas surreais/ todos os mapas já estão sendo traçados na parte de cima da sua testa/pois lá ele tem espaço para 37 mundos e uns poucos mais, canta o músico cearense Fernando Catatau em “O cabeção”, faixa do disco Uhuuu!, último lançado por sua banda, Cidadão Instigado. A melodia tortuosa e espacial é cortada abruptamente por vocais agudos de Catatau e falas graves de Arnaldo Antunes. “A imaginação é importante”, diz Catatau. “Gosto de fazer música que caminha para um outro lado.”

Letra, arranjos, efeitos, atitude: tudo lembra as experimentações musicais dos anos 60. O resultado, no entanto, não tem nada de retrô: Uhuuu! é um dos mais vibrantes e inovadores discos da produção nacional recente. Como ele, ao menos nove outros álbuns lançados no último ano revivem com novos tons as cores “viajantes” daquela época. Catatau e sua Cidadão Instigado fazem parte de um grupo celebrado de artistas jovens (entre eles as bandas MGMT, Yeasayer, Animal Collective e a cantora Cibelle) que se aproxima da psicodelia para fazer música contemporânea. Eles são discípulos de uma produção específica de bandas como Jefferson Airplane, Pink Floyd, Beatles, Os Mutantes, The Doors, The Beach Boys. Com estilos diversos, o que unia esses grupos era a tentativa de imprimir em seus discos o impacto das experiências vividas sob o efeito de substâncias alucinógenas como o LSD.

Não que as drogas fossem um ingrediente essencial. A boa música psicodélica dos anos 60 nunca dependeu, em seu momento de criação, da euforia artificial das drogas. Durante os dois anos em que produziu o livro The Doors por The Doors, uma biografia da banda de Jim Morrison feita a partir de depoimentos dos quatro integrantes, o jornalista americano Ben Fong-Torres desmistificou a pecha de “doidões” do grupo. “Foi surpreendente descobrir como eles eram sérios em relação à música”, afirma. “Eram muito meticulosos ao construir suas canções.” O pioneiro da restrita cena psicodélica brasileira dos anos 60, o músico e hoje apresentador Ronnie Von, também desmente essa impressão. “Gravava de ‘cara limpa’, como se dizia na época. Sem tomar nenhuma droga.” Ronnie Von descobriu a psicodelia em discos que seu pai, diplomata em Londres, trazia para o Brasil. Foi ele quem batizou a banda Os Mutantes – um marco na psicodelia mundial, formada por Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias –, que no início o acompanhou em seus álbuns psicodélicos. “A psicodelia está mais para um momento de irracionalidade. No meu caso, tentei levar a experiência visual de quadros surrealistas de Magritte e Dalí para a música.”

Passadas mais de três décadas, as drogas também não têm influência decisiva para os novos psicodélicos. A maioria afirma não usar desse artifício para criar. O que restou para eles foi a essência desse modo libertário de pensar o mundo e de compor e executar canções. “A música de hoje é toda feita de revivals”, diz o crítico musical Camilo Rocha. “É como se houvesse um supermercado de referências. A psicodelia é mais uma delas.”

Por ser um gênero abrangente e de definição difícil, a música psicodélica parece ter sua própria lojinha para vender seu legado multicolorido. Para Camilo Rocha, o ponto principal do novo movimento é a reapropriação da estética “viajante” a partir das novas possibilidades técnicas. “A psicodelia depende muito de efeitos sonoros em estúdio que antigamente eram feitos de maneira primitiva”, diz. “Hoje tudo está disponível, é muito mais fácil.”


Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário